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Arte indígena ganha os museus, as galerias e entra em acervos internacionais

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A primeira exposição individual do Movimento dos Artistas Huni Kuin (MAHKU), do Acre, que transformam cantos em pinturas, na Casa do Parque, em São Paulo

Numa era pós-globalização, na qual a diversidade desperta cada vez mais interesse, a arte dos povos originários brasileiros começa a ganhar um espaço que nunca teve. Atualmente, há exposições simultâneas de arte indígena no Museu Oscar Niemeyer (MON), de Curitiba, e na Casa de Cultura do Parque, em São Paulo.

A isso se somam aquisições de obras por instituições de prestígio como o Centro Georges Pompidou e a Fundação Cartier para a Arte Contemporânea, em Paris, que são um termômetro do reconhecimento que a arte indígena brasileira começa a ocupar no mundo.

Na opinião do presidente da Fundação Bienal de São Paulo, José Olympio Pereira, a arte indígena contemporânea vive uma onda que começou nos últimos dez anos. Ele faz uma distinção entre os artefatos utilitários como bancos, cestarias e cocares e os artistas que trabalham com uma multiplicidade de mídias, da pintura à animação, e cita como exemplo a participação de obras de oito indígenas (cinco brasileiros) na 34ª Bienal, no ano passado.

“Tenho interesse em arte indígena há bastante tempo e já tenho uma coleção grande”, diz Pereira, que acredita que, independentemente da qualidade, a forma como esses artistas serão trabalhados pelas galerias irá determinar seu sucesso no mercado.

Alguns expoentes desse movimento, que teve como líder o artista Jaider Esbell, que se suicidou em 2021, aos 41 anos, já possuem inserção em galerias. Ele mesmo, há dois anos, teve duas obras adquiridas pelo Centro Georges Pompidou.

José Olympio: arte indígena contemporânea vive uma onda que começou nos últimos dez anos

Esbell era da região demarcada como Terra Indígena Raposa Terra do Sol, no norte de Roraima, que viveu sucessivos conflitos com plantadores de arroz. Um quadro pequeno dele, atualmente representado pela galeria Millan, foi vendido num leilão no início do ano por R$200 mil, o que dá uma dimensão do novo momento desse mercado.

Mas há galeristas como Carmo Berna Johnson, da Carmo Johnson Projects, que prefere usar a palavra “apresentar”, em vez de “representar”, quando se trata de artistas indígenas, por se tratar de um mercado novo. Também por esse motivo, ela não fala em valores. “Estou construindo uma trajetória com os artistas, estamos começando a trabalhar o mercado”, diz.

Foi ela que estabeleceu uma parceria com a Casa de Cultura do Parque, em São Paulo, para apresentar a primeira exposição individual do Movimento dos Artistas Huni Kuin (MAHKU), do Acre, que transformam cantos em pinturas. O MAHKU é um coletivo de cinco artistas que assinam individualmente e em nome do grupo. Há obras do coletivo nas coleções do MASP, da Pinacoteca, do Museu de Arte do Rio (MAR) e da Fundação Cartier.

Carmo Johnson: “Temos muito mais do que conhecemos da arte brasileira”

“As telas são como uma tecnologia de comunicação entre o mundo indígena e o mundo branco”, define Carmo, que já tem uma exposição individual do coletivo programada para o MASP em março de 2023. Ela atribui esse interesse crescente à uma nova maneira de olhar a arte.

“Há uma busca por arte local, que traga diversidade: temos muito mais do que conhecemos da arte brasileira. Hoje tentamos entender o Brasil em sua totalidade e os indígenas são parte disso, como os trans, os afros, os artistas que não tinham visibilidade”.

Um desses artistas da nova geração é Waxamani, de 27 anos, da etnia Mehinako e Aweti, que vive na aldeia Kaupüna, no Território Indígena do Alto Xingu. Ele faz grafismos em tecidos de algodão cru e apresenta seu trabalho pelo Instagram. Já vendeu para Holanda, Estados Unidos e Portugal. Seus grafismos são únicos, têm vários tamanhos, custam de R$560 a R$ 4 mil e ele envia para todos os estados brasileiros.

Waxamani é um exemplo dos artistas que vivem nas aldeias, promovem um resgate cultural das tradições e, ao mesmo tempo, usam o celular como ferramenta de trabalho conectados ao mundo digital. Para reforçar sua identidade, ele escreve atrás de cada tela qual o significado da pintura, que pode homenagear uma pessoa morta ou uma crença animista. No início deste ano, o artista que também pinta remos, trouxe algumas obras para a SP-Arte. Vendeu tudo.

Os grafismos de Waxamani, artista da etnia Mehinako e Aweti, que vive na aldeia Kaupüna, no Território Indígena do Alto Xingu

É significativo que, na semana passada, foi inaugurado o Museu das Culturas Indígenas, ao lado do Parque da Água Branca, na zona oeste de São Paulo. Concebido pelo governo do Estado em diálogo com povos e comunidades indígenas, pretende valorizar o patrimônio cultural e terá exposições, centro de pesquisa e auditório. O investimento foi de R$14 milhões.

Se a discussão entre o que é arte e o que é artesanato, o que é contemporâneo ou não, ainda subsiste em determinados meios, vale lembrar que em 1957 o antropólogo Darcy Ribeiro e sua mulher, a também antropóloga Berta, escreveram a “Arte Plumária dos Índios Kaapor”. Ou seja, naquela época já nomeavam como arte utilitários que só agora são reconhecidos nessa dimensão.

Um exemplo dessa valorização é a escolha do empresário francês Alexandre Allard, do Complexo Cidade Matarazzo, que fez questão de utilizar elementos da cultura indígena na decoração do hotel Rosewood, em São Paulo, para mostrar o que o Brasil tem de único.

É também por aí a visão dos empresários Marisa Moreira Salles e Tomas Alvin, que há 20 anos iniciaram a coleção Bei de bancos indígenas. A coleção já foi exposta em várias cidades do Japão e em Milão, antes de chegar ao MON, em Curitiba. Eles não comercializam, mas defendem a inclusão desses artistas no mercado, onde os bancos custam em média R$10 mil.

Banco Colibri da coleção Bei que já foi exposta em várias cidades do Japão e em Milão, antes de chegar ao MON, em Curitiba

“Nosso interesse é divulgar a causa indígena através da arte para que as pessoas tenham empatia pela cultura. Mas o mercado é fundamental: se não houver aquisição eles param de fazer”, diz Alvin.

Ele acredita que a tradição expressa nos bancos de madeira pintados e muitas vezes apenas com formatos de animais é uma forma de reconhecimento de nossa origem. “Nós consideramos os indígenas os primeiros designers brasileiros. Os bancos são uma manifestação genuína de nossa origem sofisticada, muitas vezes esquecida. É bom olhar e reconhecer que aí estão os alicerces de nossa construção. Todo o resto veio depois”.

Essa é a linha de pensamento de Lissa Carmona, CEO da Ethel Design, que tem um projeto para fazer uma exposição em Milão ainda sem data marcada, onde pretende apresentar a trajetória do mobiliário brasileiro, que começa com um recorte da coleção dos bancos indígenas e vai até a produção de Oscar Niemeyer.

De Freddy Krueger a literatura de cordel: como um CEO se inventou na pandemia

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Ricardo Neves, CEO da NTT Data no Brasil, fantasiado para os encontros remotos de Freddy Krueger, vampiro e caipira: “alegria contagia”

Em um escritório de funcionamento híbrido, planejado para trabalho presencial e interação remota, o executivo Ricardo Neves conta os dias para lançamento do livro “CEO Virtual – Lições de liderança para o mundo pós-pandemia”. A obra é resultado de um dos maiores desafios de sua carreira, a de se tornar CEO pela primeira vez, assumir uma empresa em plena pandemia e engajar à distancia milhares de colaboradores que nunca tinha visto.

Duas ou três vezes por semana, ele trabalha no edifício do Parque da Cidade, no bairro do Morumbi, em São Paulo, onde fica a nova sede da NTT Data, de origem japonesa, uma companhia de consultoria e tecnologia, que emprega 139 mil pessoas em mais de 50 países avaliada em US$ 19,3 bilhões. No Brasil, a multinacional chegou há mais de 20 anos e hoje tem escritórios em São Paulo, Rio de Janeiro, Uberlândia, com a previsão de abrir em Florianópolis e Recife até o final do ano.

Ricardo Neves assumiu como CEO em 2 de abril de 2020 e nunca poderia imaginar que o mundo pararia, da Ásia às Américas, dez dias antes que estreasse no novo cargo. Naquele momento em que havia muitas pessoas trancadas em casa, privadas do convívio do trabalho, não faltaram relatos de depressão, uso abusivo de remédios, álcool e outras drogas. Foi nesse clima que Neves buscou suas raízes pernambucanas para assumir o novo posto criando um clima de alegria.

Se inspirou na literatura de cordel, nos textos de Adriano Suassuna, no Galo da Madrugada, bloco famoso de Recife, onde desfilava. “A alegria é contagiante. O que mais me motivou foi o feedback das pessoas, porque a alegria e a autenticidade têm uma empatia real, não é o discurso de sete passos para alcançar o sucesso. E quando você faz isso numa empresa de serviços, na qual tem pessoas, onde de 70% a 80% dos custos são de pessoas, você engaja todos e realmente alcança resultados.”

No livro, ele conta os prazeres e as dificuldades desses dois anos que para a empresa tiveram “resultados muito positivos”. “Quando sentei na cadeira a gente tinha 2.600 pessoas no Brasil, neste mês fechei 5.300. A operação brasileira é significativa: agora em setembro vou receber o CEO japonês global, na semana passada esteve aqui o CEO da América Latina: as pessoas querem ver o que o Brasil está fazendo para ter dobrado a operação durante a pandemia”.

No primeiro dia de trabalho, Neves se vestiu com aquele capricho habitual de todos que começam num emprego novo. Camisa, blazer, calça, sapatos e perfume. Só que em vez de se dirigir para o escritório, sentou-se diante da tela do computador. Esse esmero na indumentária durou apenas a primeira semana. Depois, moletom na parte de baixo e pés descalços passaram a fazer parte do dress code. Hoje, a informalidade se tornou norma no trabalho remoto. “Aderi ao moletom e vou continuar. Quando vejo a agenda, às vezes não é só a calça, também a camisa é de moletom”.

O CEO Ricardo Neves em “traje civil”

Ainda que o trabalho presencial agora se restrinja a duas ou três vezes por semana, há muitos almoços e cafés da manhã em dias de trabalho remoto. “Vou e volto. No escritório, quando há problemas de trânsito ou de greve, pegamos um helicóptero e vamos no cliente”.

O escritório tem toda a tecnologia necessária para o mundo híbrido. Sala multiuso que dá para mil funcionalidades até para fazer shows ao vivo com banda. A sala de reuniões tem mesa em u, microfones no teto, muitas câmeras. Há um estúdio de transmissão para que a empresa possa fazer cafés, happy-hours, com todos se comunicando pelo telão.

Talvez por ser uma empresa de tecnologia e com colaboradores de gerações mais jovens, a estratégia intuitiva usada por Neves durante a pandemia deu certo. Teve de tudo: festa junina, carnaval e Halloween, com todos fantasiados e confraternizando de forma virtual. O CEO dançou frevo, se vestiu de Freddy Krueger, de Drácula e de caipira. “Todo o mundo e toda diretoria se fantasiou. Pensei: não vou pagar mico sozinho”.

Neves é pernambucano e cresceu em Recife numa família de classe média. Tinha uma carreira bemsucedida na Pricewaterhouse, onde se tornou sócio, quando resolveu aceitar o cargo de CEO, aos 55 anos. “Foi a primeira oportunidade de ser CEO e, talvez eu estivesse num momento maduro para deixar aflorar a autenticidade”, diz.

“Sempre fui muito objetivo, portanto, sempre tentei me colocar dentro das regras que já existiam. Você fica igual a todos. Essa mudança que aconteceu no mundo me deu força para sair desse modelo e dizer, quer saber? Tenho que ser eu mesmo. O momento era tão incerto… Será que me exponho? Depois decidi: é por aí, vamos em frente”.

O livro é uma espécie de relato da soma de todos esses momentos com uma breve história autobiográfica. Ao escrevê-lo, Neves compartilha uma visão mais autêntica e menos sisuda do CEO, cargo conhecido pela solidão que carrega.

“Acho que a partir do momento em que me abri, me senti mais amparado, foi uma espécie de fio terra. Parece que depois que essa comunicação começa, você se sente menos solitário. Mais do que a solidão, o que me cobro muito é minha responsabilidade. Sou responsável por 5.300 pessoas, 5.300 famílias”.

Ao extrair lições da pandemia, o CEO se pergunta se essas contingências e essas limitações não o tivessem pegado de surpresa será que teria sido anfitrião de tantos encontros informais e com tantas pessoas? Será que teria tido a preocupação de conversar com tanta gente num cargo tão elevado?

Ele aproveita para lembrar que embora se dissesse que todo o mundo estava confortável trabalhando em casa, essa não era exatamente a realidade: “A verdade é muita gente estava pouco confortável, o número era pequeno – 3% ou 4% – sim, mas havia gente para quem eu perguntava: como você está? E a pessoa respondia: péssimo! Lembro de uma colaboradora que trabalhava na laje para pegar o sinal”, conta.

“Então, foi uma boa oportunidade para olhar para as diferenças. Os valores corporativos precisam se alinhar com a aceitação da singularidades, sejam elas quais forem”.

Serviço
CEO Virtual – Lições de liderança para o mundo pós-pandemia*
182 páginas
editora e-galáxia
impresso R$66,90
ebook R$32
audiobook R$16.
*Todo o lucro será revertido para a Associação São Francisco da Providência